"Surgi um novo bicho-papão: o colesterol alto infantil."
Estima-se que os índices elevados de LDL - a versão ruim da substância -, que podem levar a doenças cardiovasculares, entre outros problemas, atinjam cerca de 10% das crianças no país. O combate ao mal deve ser feito o quanto antes.
O impacto não poderia ser pior: o aumento do colesterol age no corpo como uma bomba, que explode por meio da produção de placas de gordura nas paredes dos vasos sangüíneos que dificultam a circulação do sangue. Essa obstrução recebe o nome de aterosclerose e, se não tratada, agrava ao longo dos anos, podendo levar a doenças cardiovasculares (que atingem coração e artérias do corpo). Nos Estados Unidos, metade das crianças com um ano já apresenta a aterosclerose em estágio inicial. Isso significa que estão mais propensas a sofrer, por exemplo, um infarto agudo do miocárdio ou AVC (acidente vascular cerebral) entre os 30 e 40 anos de idade. "O aumento de 1% no nível de colesterol eleva em 2% o risco de sofrer um infarto. Quanto maior o tempo em que a criança for submetida às elevações de colesterol no sangue, maiores são as chances de desenvolver doenças relacionadas ao problema", alerta o cardiologista Marcus Vinícius Bolívar Malachias (MG), coordenador do Selo de Qualidade da Sociedade Brasileira de Cardiologia e Fundação do Coração (SBC/Funcor).
A pediatra e nutróloga Maria Arlete Escrivão, da Unifesp, publicou no ano passado uma pesquisa sobre o aumento de colesterol em 316 adolescentes de 10 a 19 anos, com nível socioeconômico alto. "Das pessoas estudadas, 25% apresentavam excesso de peso. Independentemente do estado nutricional, 30% tinham o colesterol total aumentado. Isso é conseqüência do estilo de vida e antecedentes familiares, não da obesidade", diz a médica. Referência entre os médicos, o estudo Bogalusa Heart mostrou através de autópsias de três mil crianças e adolescentes norte-americanos do estado de Louisiana que praticamente 100% deles tinham aterosclerose. "Uma vez instalada, a doença é irreversível. Apenas será possível estancar o processo. A população se tornará mais saudável se conseguirmos retardar a instalação dessa placa de gordura nos vasos sangüíneos", diz o cardiologista Francisco Antônio Fonseca, presidente do Departamento de Aterosclerose da SBC.
Recém-publicado pela entidade, o documento Diretrizes para Prevenção e Tratamento da Aterosclerose Precoce recomenda, entre outras coisas, o combate ao colesterol alto ainda durante a gestação. "Mães com taxas elevadas têm filhos com maior presença de lesões iniciais de aterosclerose. Os cuidados devem começar no útero, por meio de uma alimentação saudável e estilo de vida ativo", informa Fonseca. Não raro, as causas do colesterol alto na infância são maus costumes alimentares e sedentarismo. Isso se deve em parte aos pais, que facilitam o acesso às mais diversas guloseimas. Daí a importância em despertar hábitos nutritivos nos pequenos. "A tarefa depende do envolvimento de toda a família. Afinal, a criança tende a imitar o comportamento dos adultos. É preciso ensiná-la a comer verduras, legumes e frutas", diz a pediatra e nutróloga Maria Arlete Escrivão, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Não confunda
Colesterol alto não anda de mãos dadas com os quilos extras. No Ambulatório de Obesidade do Hospital das Clínicas de São Paulo, apenas 9% das mais de 300 crianças obesas atendidas têm colesterol alto. O excesso de peso é um complicador. "É perfeitamente possível um obeso ter colesterol normal e um magro não. Isso depende do metabolismo de cada pessoa. É evidente que o erro alimentar da criança obesa aumenta as chances de ela adquirir níveis elevados de colesterol. Além disso, essa criança não está livre de manifestar outros problemas também", diz o cardiologista Eduardo Mesquita de Oliveira (SP), do Hospital Albert Einstein.
Novos hábitos
O assunto precisa ser levado ainda para a cantina da escola. "Escolhas nutricionais são experiências aprendidas. Às vezes, a criança não gosta de determinado alimento, mas vê outros colegas comendo, o que se torna um estímulo para experimentar. Pensando nisso, a Sociedade Brasileira de Cardiologia elaborou kits de lanches saudáveis, com teores equilibrados de gorduras, carboidratos, proteínas e sal que poderão ser encontrados em breve nas lanchonetes dos colégios interessados", afirma o cardiologista Marcus Vinícius Malachias.
O que fazer
Limitar o tempo em frente à TV, videogame e computador também é vital. "Crianças que passam quatro horas por dia diante do aparelho têm maiores chances de estar acima do peso e com o colesterol alto. É necessário colocar os filhos para fazer atividades que exijam esforço físico", diz Francisco Fonseca. O médico adverte, contudo, que a ação dos responsáveis não deve se limitar ao 'vá correr menino!'. "Dê o exemplo: desligue a televisão, levante-se do sofá e faça ginástica ao lado dos pequenos. São recomendados 30 minutos de exercícios diários", ensina. Quanto maior a regularidade das atividades físicas, maior será a proteção ao sistema cardiovascular. Afinal, as práticas ajudam a queimar gorduras, controlar a pressão sangüínea, elevar os níveis do colesterol bom (HDL), diminuir os níveis do colesterol ruim, além de darem alívio ao estresse.
Como os nossos pais...
Mas nem só a má alimentação e o sedentarismo explicam o aumento do colesterol em crianças e adolescentes. A genética tem muito a ver com o problema. Um estudo publicado pelo Instituto do Coração (InCor) mostrou que cerca de 10% dos filhos e/ou netos dos pacientes vítimas de um infarto até os 55 anos de idade apresentavam alterações da substância no organismo. "Nesses casos, mesmo que a alimentação seja adequada, o colesterol será elevado", explica o pediatra Cláudio Hoineff, membro do Departamento Científico de Endocrinologia da Sociedade Brasileira de Pediatria. Também existem as doenças hereditárias graves e raras que produzem índices extremamente elevados de colesterol no sangue. É o caso da hipercolesterolemia familiar. "Os remédios são indicados quando as taxas anormais de colesterol não são revertidos com a dieta adequada e a prática regular de exercícios", afirma o cardiologista Eduardo Mesquita de Oliveira (SP), do Hospital Albert Einsten.
A gordura do bem e do mal
Apesar da má fama, o colesterol é fundamental para a formação de todas as células do organismo e a produção de hormônios sexuais e dos sais biliares. Cerca de 70% é produzido pelo fígado e 30% provêm dos alimentos de origem animal (carnes, ovos, leite e derivados). Só que o colesterol não circula livremente no organismo - ele trafega no sangue através de partículas chamadas de lipoproteínas. São elas: HDL (lipoproteínas de alta densidade), LDL (lipoproteínas de baixa densidade) e VLDL (lipoproteínas de muito baixa densidade). O que faz mal ao sistema cardiovascular é o colesterol LDL. Em excesso na circulação sangüínea, pode se fixar no interior das artérias, causando obstruções e aumentando o risco cardíaco. Já o HDL é conhecido como bom colesterol porque funciona como uma espécie de 'faxineiro', removendo excessos de colesterol LDL do sangue. Quanto maior seu nível, melhor.
Bons aliados
O exame para verificar o teor de colesterol no corpo (lipidograma), é feito por meio da dosagem da substância no corpo. O teste pode ser solicitado em qualquer idade. "Em crianças admite-se que esteja acima do normal quando o nível total passar de 200 mg/dL. O ideal é manter-se abaixo de 170 ml/dL. Já a partir da adolescência, os números são similares aos dos adultos: 200 ml/dL", diz o nutrólogo Celso Cukier (SP), do Hospital São Luiz. Além do cardápio saudável, especialistas recomendam ainda o consumo de fibras. "O fígado libera os sais biliares (ricos em colesterol) que se unem às fibras após a digestão e são eliminados pelas fezes. Quando não se come fibras, esses sais são reabsorvidos e aumentam a gordura no sangue", explica o nutrólogo Ary Cardoso (SP), responsável pela Unidade de Nutrologia do Hospital das Clínicas. A soja é outra grande aliada. "Ela se une aos receptores de colesterol LDL, favorecendo sua eliminação. Além disso, eleva o teor de colesterol HDL. Dessa forma, ocorre uma melhora acentuada no metabolismo lipídico e, conseqüentemente, a redução dos riscos de doenças cardiovasculares", garante o nutrólogo Durval Ribas Filho. "O ideal é não dar espaço para o mau colesterol e iniciar o combate a ele o quanto antes. Prevenção já!"
Reduza os níveis
Evite
- Leite e iogurte integral, creme de leite, manteiga, queijos (amarelos), requeijão, chantilly, sorvete, leite condensado.
- Gema de ovo, óleo de coco, maionese e chocolate.
- Massas feitas à base de manteiga e gema de ovo, croissants, brioches, biscoitos.
- Frituras em geral.
- Embutidos como salame, salaminho, mortadela, presunto, patês, salsicha, lingüiça.
- Carnes de porco, miúdos (miolos, fígado, coração), peles de frango, carne de boi gorda, ovas de peixe e frutos do mar.
- Leite e iogurte desnatado, queijo magro (ricota, cottage, cream cheese light). A mussarela e o queijo frescal podem ser usados ocasionalmente em pequenas quantidades. O leite de soja também está na lista.
- Margarina com alto teor de ácidos graxos poliinsaturados.
- Óleos de soja, canola, milho, girassol, algodão e azeite de oliva.
- Carnes magras (frango, peru, vitela, boi, lombo), retirando toda gordura visível antes de cozinhar.
- Peixes como bacalhau, hadoque, linguado, surubim, badejo, arenque, cavalinha, atum e salmão.
- Aumentar o consumo de vegetais (verduras, legumes), frutas (exceto coco) e fibras em substituição aos pratos prontos, frituras e alimentos que contêm gordura animal.
- Molhos inglês, de tomate, catchup, vinagre, mostarda e pimenta. Molho cremoso vegetal (imitação de maionese) somente em pequenas quantidades. É livre o uso de ervas e folhas aromáticas nesses preparos.
- Substituir as carnes em algumas refeições por derivados da soja.
- Castanhas (nozes, pecan, caju, pará, pistache, avelã) em pequena quantidade e cogumelos (shitake, shimeji, champignon).
* Fonte: cardiologista Marcus Vinícius Bolívar Malachias, coordenador do Selo de Qualidade SBC/FUNCOR, da Sociedade Brasileira de Cardiologia e Fundação do Coração.
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